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Às Portas de um Castelo

  Eu me lembro de poucas coisas, pra falar a verdade.
  Lembro que eu estava em  frente ao posto de gasolina mais badalado da cidade quando em uma hora da noite apareceu um Land Rover com a insígnia da Polícia Federal. O que (ou quem) eles estavam procurando, eu não tenho certeza até agora, enquanto escrevo essas palavras. E eu sei...de alguma forma, não importa a forma com que eu me expresse, tudo isso vai parecer incoerente e tirado daquelas histórias do Stephen King.
  Está bem! Para que ninguém fique pensando que eu sou mais um louco escrevendo coisas sem-sentido, eu quero que fique bem claro que eu sonhei tudo o que eu vou (ou ao menos pretendo) narrar aqui. No entanto, eu dou uma notável importância aos sonhos e acredito que eles sejam mais do que um entretenimento de uma mente em "repouso" ou fruto das preocupações mundanas que se condensam em pesadelos bizarros. O fato é que, de repente, eu estava subindo as escadas de uma construção gigantesca e não demorou muito para que outros chegassem. Amigos com livros, estratégias e uma espécie de máquina de xérox colorido encheram uma sala em um andar bem alto. Parecia que os tempos de jogatinas de RPG haviam voltado com força total, pois eles tiravam cópias de um livro, como costumávamos fazer com as fichas de personagens, mas eles estavam sendo procurados também, pelo que me pareceu. Eu fiquei entre eles, compartilhando de sua paranóia e esperando que tudo passasse, mas havia algo de muito estranho no ar. Estranho mesmo! Tudo nesse sonho pareceu meio estranho, mas eu parecia reconhecer tudo aquilo e até identifiquei a construção como um prédio dedicado a documentos e livros vitais para prover a humanidade com o Saber. Uma biblioteca...
  Então eu ouvi o rádio da polícia lá fora. Aparentemente, ninguém mais ouviu e eles continuaram a conversar, mas eu saí de perto deles, sem falar nada, olhei para uma passagem aberta e vi a escada que levava para o andar inferior e sabia que havia outras cinco. Definitivamente, a descida seria penosa...
  Eu devo ter dado de ombros antes de deslizar pelas escadas até o térreo, onde eu vi a viatura negra dos federais se aproximando. Então eu me escondi atrás de um pilar quadrado de mármore escuro da construção, que não era muito diferente de um castelo, e rezei para que eles não tivessem me visto.
  Quando achei que seria alvo dos tiros dos federais, parece que fui acometido por uma coragem incomum e saí correndo pelos fundos do prédio. O Land Rover vinha lentamente pelo gramado da frente do castelo, enquanto eu fugia de um possível cerco. Eu sabia que seria extremamente difícil escapar de uma investida dessas... Por isso eu andei rápido até chegar em uma estrada próxima.
  Então eu fui caminhando pela estrada, com a clara intenção de abandonar aquele lugar e escapar de uma prisão por ter invadido o castelo. Nesse momento eu pensei nos outros. Se eu conseguisse escapar, eu poderia voltar ao castelo e resgatá-los. Lógico, havia o risco de todo mundo ser preso e eu seria considerado um desertor.
  Eu veria as fotos deles nos jornais e revistas e sentiria a culpa por não tê-los trazido comigo. Tudo seria muito ruim, caso eu não continuasse a andar. Eu PRECISAVA sair dali! Eu via até uma espécie de fortificação próxima ao prédio alto e escuro, onde havia militares andando agitados, mas nem me perceberam também. Continuei andando, sentindo a minha parcela de culpa por estar entre eles e deixá-los nessa hora.
  Eles precisavam de mim, mas eu não podia voltar. Seria pior se eu não fosse embora. Era uma questão de tempo até os federais invadirem o lugar e todo mundo estaria perdido.
  O melhor a fazer é não deixar que eles vejam quem você é. Não deixar que vejam o seu rosto.
  Eles não devem saber nem o seu nome para que você não seja procurado por toda parte.
  Eu precisava ir embora para salvá-los, enquanto eu salvava minha própria pele.
  Eu andava procurando ser discreto, quase invisível. Então aconteceu!
  Como se eu emergisse de um lago, eu respirei fundo e abri os meus olhos.
  Eu olhava o travesseiro e, ao lado da cama, o cachorro me olhou calmamente antes de voltar a dormir.
  Resolvi seguir seu exemplo e descansar, mas sempre pensando naqueles que ficaram.
  De alguma forma eu sabia que eles tinham conseguido escapar. Talvez tivessem emergido também, abrindo os olhos em suas próprias casas, sem vestígios de livros, fotocópias ou a máquina de xérox.
  Não havia culpa sem evidências. Não havia prisão enquanto se pudesse despertar.
  Então eu dormi novamente e devo ter sonhado de novo, mas eu não lembro com o quê?

[Fim da 1ª parte]

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