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Às Portas de um Castelo - 5ª Parte

Essa é uma série de contos. Deseja ler a 1ª Parte ou 4ª Parte?

  À medida que ele avançava naquela estrada, parecia que aquela subida se tornava cada vez mais inclinada, quase vertical. Mas ele sabia que estava perto do casebre porque disseram que o casebre do Velho ficava “perto da estrada, quando a subida terminava”.
  O tempo estava se esgotando outra vez e ele não tinha menor noção de quanto tempo ainda tinha disponível... Ele precisava chegar!
  Correndo o mais rápido que podia, ele chegou a cruzar com alguns loucos que não sabiam onde estavam, nem para onde iam e, portanto, seriam inúteis para indicar se ele estava no caminho certo. O céu continuava nublado, mas não estava tão escuro e ele conseguia ver os campos e pastagens que cercavam a estrada de terra dura. Então ele viu algumas árvores mais adiante e se apressou, correndo com as mãos próximas ao solo por causa da subida, tropeçando em seus próprios pés. Havia uma luz débil e alaranjada em cada janela do casebre e grandes árvores cercavam-na, principalmente ao fundo, de onde uma fumaça serpenteava em sua ascensão vagarosa.
  “Era o casebre do Velho, finalmente”, pensou ele.
  Sentindo que seu tempo estava no fim, correu desesperado na direção da casa de madeira velha. O lugar era tão alto que dava para ver muitos lugares por onde ele passou, mas por causa das árvores ninguém conseguia explicar muito bem onde ficava o casebre. Contornando a casa, ele correu para os fundos e teve tempo de ver umas crianças brincando perto de uma pequena fogueira e uma edícula de madeira, com um vão sem porta, de onde uma luz tremulava e sombras dançavam nas paredes.
  Começou a ventar e tudo escureceu. Quando vento cessou, ele percebeu que estava sobre o piso plano do salão escuro da estranha rosa-dos-ventos do castelo.
  Dessa vez ele chegou bem perto. Mas teria que esperar as tochas acenderem novamente e ele ainda não fazia ideia de quanto tempo precisava, por isso voltou ao seu quarto e sentou-se diante do espelho e ficou a fitá-lo, sem ver sua própria face. Ele sabia que nada havia mudado em seu rosto e nem mesmo um fio de barba tinha voltado a crescer, mas ele sempre imaginava como ficaria quando envelhecesse. Precisava acabar logo com isso e sentia que estava prestes a encontrar uma saída. Se ele ao menos conseguisse encontrar o onironauta outra vez...
  Pensando nisso, ele levantou-se e foi até o baú, que estava cheio de livros estranhos, mas o que estava mais evidente era um de capa verde-musgo, que ele pegou e abriu em uma página qualquer e foi até a janela, de onde podia ver o deserto de montanhas e o topo do penhasco onde o castelo estava. Isolado de tudo, não havia para onde fugir, nem a quem recorrer. Ele já não comia, nem dormia, pois descobrira que toda vez que comia, ia perdendo para sempre a fome e o apetite e seus sonos eram desprovidos de sonho, dando sempre a impressão de que não dormira.
  Lá embaixo uma nuvem de poeira se levantava, indicando que o vento recomeçara o seu canto. Como os ventos eram fortes ali no alto do penhasco, ele mantinha as janelas sempre fechadas, mas ele percebeu uma coisa estranha lá embaixo, em meio à poeira. Algo que lembrava as chamas sendo cuspidas por um pirófago.
  “Havia alguém lá embaixo!”, pensou, enquanto corria para fora do quarto, quase voando pelos corredores.
  No caminho, ele pensou em inúmeras possibilidades, se poderia ser alguém para ajudá-lo, ou alguma ameaça desconhecida ou, ainda, algum fenômeno inútil, como um fogo-fátuo. Mas ele preferia acreditar que poderia ser alguém disposto a ajudá-lo.
  O Velho, talvez...
  Então chegou ao salão de entrada, onde a grande e pesada porta dupla permanecia fechada. Em todo o tempo que esteve ali, abriu-a pouquíssimas vezes para perambular pelo penhasco, sentindo o vento ora forte, ora fraco como uma brisa, para sentir-se mais vivo, para assegurar que ainda podia sentir, ao menos, o vento em seu rosto.
  Mas ele sempre se esquece como aquela porta é pesada para ser aberta por apenas uma pessoa, sem falar na enorme trava que mantinha a porta trancada e quando conseguiu retirá-la, girou uma maçaneta ornamentada e começou a abrir as portas simultaneamente. O vento ia invadindo o interior do castelo, trazendo muita poeira.
  . . .
  Parecia que o castelo brotava do alto daquele penhasco feito uma árvore gigantesca e desfolhada e aquele vento era tão forte que poderia jogá-los no abismo. Jonas parecia não acreditar no que via, mas tinha certeza que esse era o castelo que procurava. Seus amigos estavam mudos e André sentiu a vertigem tomar conta dele quando olhou o deserto de montanhas e o abismo enevoado que havia entre elas.
  - Vamos, meus amigos, não temos tempo a perder! – disse Jonas, indo à frente.
  Enquanto se aproximavam do castelo, o vento parecia cantar em seus ouvidos e a poeira cegava-lhes. Caminhavam em silêncio, ouvindo apenas o vento, nada mais!
Jonas estava obviamente emocionado por ter finalmente chegado ao castelo e se agarrava à alça da sacola de couro que carregava. David protegia os olhos da poeira e tentava ver o topo do castelo. As torres se erguiam sobre o penhasco, escuras, com algo que parecia uma grossa trepadeira morta nas paredes. O céu estava claro, apesar das nuvens espessas acima deles. André, boquiaberto, olhava uma das torres e soltou uma exclamação, apontando uma janela onde se via uma luz.
  - Parece ser de uma lareira ou de velas. – deduziu David, com os olhos semicerrados.
  Nesse momento, quando faltavam apenas alguns metros para chegarem até a imensa porta dupla, a mesma começou a se abrir e eles ficaram paralisados.
  Enquanto as portas se abriam, vagarosamente, os três viram um homem pálido vestindo roupas antigas, mas em bom estado e eles pensaram em fugir, quando o homem correu na direção deles, mas eles se detiveram quando o homem estendeu a mão, como a pedir que parassem:
  - Jonas! – gritou o homem. – Espere, por favor!
  Espantado, o rapaz olhou bem para o homem – o mesmo do sonho que tivera há um ano – se perguntando se tinha ouvido bem. Aquele homem tinha o chamado pelo nome ou ele estava ouvindo coisas?
  - Seu nome é Jonas, não é mesmo? – continuou o homem. Ele sabia mesmo seu nome. – Tenho te procurado desde o nosso último encontro, na biblioteca do castelo.
  - Você é Edgar Moretti? – perguntou Jonas.
  - Sou, como descobriu meu nome?
  - Responda primeiro como você descobriu o meu. – replicou.
  O homem olhou para ele e para sua sacola de couro, então voltou-se para os outros dois companheiros de Jonas, reconhecendo André. Sorrindo, ele explicou:
  - A maneira como você se movia quando te encontrei na biblioteca é típica de alguns onironautas iniciantes e presumi que logo voltaria, mas isso nunca aconteceu, até agora.
  “O livro que você folheava era muito interessante! Com ele descobri como sair daqui, mas como estou preso ao castelo, quando o tempo se esgota, eu sou trazido de volta. Por isso, toda vez que saía, eu procurava por um onironauta com sua aparência. Até que um dia, uma pessoa me falou de um jovem peregrino chamado Jonas. Descobri também que somente uma pessoa poderia me ajudar a te encontrar. As pessoas o chamam de Velho.”
  O garoto tirou o livro de capa marrom de sua sacola e estendeu ao homem:
  - Acho que esse livro aqui é seu. – disse, entregando-o. – Foi com ele que aprendi a fazer os espelhos.
  Ao ouvir isso, Edgar arregalou os olhos:
  - Espelhos?! O que você quer dizer com espelhos?
  - Fiz mais de um espelho, todos seguindo o mesmo modelo. – respondeu Jonas. – Você sabia sobre os espelhos, não sabia?
  Edgar ficou sério, de repente, e pousando sua mão esquerda sobre o ombro de Jonas, disse:
  - Você não faz ideia dos perigos que corre ao se criar mais de um espelho! UM já é o suficiente para te causar problemas. Por causa de um espelho eu estou preso aqui! – então, fechando os olhos, procurou se acalmar. – Me responda uma coisa: estou louco, ou aquele ali é meu sobrinho André?
  Jonas abriu um sorriso e fez sinal para André, que estava paralisado ainda, se aproximasse.
  - Sem ele, nós nunca poderíamos encontrá-lo! – explicou Jonas.
  O homem não esperou o sobrinho dizer palavra alguma e abraçou o garoto, emocionado, com a vaga impressão de que não fosse mais voltar a vê-lo. Pela primeira vez, em todo esse tempo que esteve ali sozinho, sentiu vontade de chorar.
  - Quanto tempo se passou? – perguntou, instintivamente. – Quanto tempo faz que não o vejo?
  - Cinco anos, tio! Cinco longos anos! – respondeu o sobrinho, com a voz custando muito a sair.
  Jonas interrompeu-os, pigarreando e dizendo que não podiam perder mais tempo, pois precisavam encontrar uma maneira de voltar, levando Edgar com eles. Então o homem, saiu correndo de volta ao castelo, chamando os garotos, dizendo que sabia como poderiam sair dali. Assim, eles entraram, fechando as imensas portas da entrada, fazendo o vento parar de soprar.
  - Fiquem aqui! – pediu Edgar. – Eu não demoro, prometo. Vou buscar uma coisa importante!
  E desapareceu, correndo feito louco pelos corredores e mesmo quando ele não estava mais no campo de visão deles, ainda era possível ouvir suas botas batendo no piso de pedra. O interior do castelo era quente, comparado ao exterior frio, castigado pelo vento forte e havia desenhos interessantes nas paredes, mas antes que pudessem falar alguma coisa ou olhar os desenhos mais de perto, Edgar voltou com um livro nas mãos. Um livro de capa verde-musgo.
  - Esse era o livro que você estava tentando ler quando no encontramos. – disse Edgar, estendendo o livro para Jonas. – Ele é a chave para os Portais dos Ventos!
  - Não era esse! – falou Jonas, contrariado. – Era um livro de capa preta. Tenho certeza!
  - Não, Jonas. Para você a capa parecia preta porque estava escuro, mas na realidade, sempre foi verde. Aliás, grande parte dos bons livros que encontrei naquela biblioteca parece tem capas verdes também, mas nenhum é como esse. Venham comigo!
  Então ele os levou ao salão escuro da curiosa rosa-dos-nove-ventos.
  Assim que eles chegaram, Edgar ainda se deteve, em silêncio, como a esperar por algo. Então, como se o vento tivesse invadido o salão, as tochas foram se acendendo, uma a uma, iluminando o salão novamente e revelando o desenho no chão.
  Edgar então explicou que faltava apenas um lugar, entre aqueles nove, onde ele ainda não tinha ido. Pediu para cada um segurar na mão do outro e que Jonas segurasse a sua e não soltassem por nada.
  O homem se abaixou no chão frio do salão e soprou sobre um estranho desenho em um dos raios da rosa-dos-ventos. Nesse momento, o vento se intensificou e, as tochas foram se apagando da mesma forma que se acenderam. De repente, ficou tudo escuro!
  Ainda podiam ver o desenho no chão, mas parecia que ainda ventava. No entanto, eles não estavam no salão do castelo.
  - Jonas, nós estamos no topo da Torre dos Ventos! – David quebrou o silêncio, surpreso por reconhecer o lugar. – Eu já estive aqui antes. Tem uma porta aqui que leva à biblioteca onde estivemos da outra vez.
  - Isso quer dizer que podemos voltar daqui mesmo. – disse Jonas. Dirigindo-se a Edgar: - Você virá conosco! Prepare-se para voltar para casa.
  Segurou firme o braço de Edgar e disse aos outros:
  -Todos para a garagem!
  E respirou fundo, sentindo um puxão, enquanto via novamente a garagem bagunçada do espelho de André. Atravessaram o espelho e caminhando por um corredor escuro chegaram a uma porta, por onde entraram em uma sala totalmente vazia, com paredes cobertas por tijolos avermelhados.
  - Quase em casa, Edgar! – disse David. – Hora de ir pra casa.
  Então eles se despediram e cada um emergiu, desaparecendo da sala vazia, deixando Edgar sozinho. Ele parecia não acreditar que voltaria para casa. Perguntava-se o que havia mudado, nesse tempo em esteve ausente. Precisava voltar, senão todo o esforço dos garotos seria inútil. Os livros estavam debaixo do braço, então ele deixou-os num canto e olhou mais uma vez para o espelho sem reflexo na parede.
  Um vento começou a soprar levemente, abrindo um dos livros e virando página por página. Então ele respirou fundo e emergiu.
   . . .
   Ele não acreditava que tinha dado certo. Ainda olhava para o teto, pensando em tudo aquilo que vira. Então viu o espelho sobre o criado-mudo e seu cachorro dormindo profundamente no tapete. Levantou-se então para ir ao banheiro, tinha até esquecido que estava apertado. Seu pai estava na cozinha tomando água quando ele passou por lá e deu bom-dia. Eram cinco da manhã. Seu pai ainda ia trabalhar e levantou mais cedo porque não conseguiu dormir.
  Mas ele tinha dormido profundamente. O pai nem imaginava onde ele esteve. Seria bom nem comentar nada, afinal, falar de sonhos antes da café da manhã não era coisa boa. Quando ele já estava lavando as mãos e o rosto, ouviu o telefone tocar duas vezes.
  - Pai! O telefooone...
  - Já vou! Já vou! – então ele ouviu o pai atender. – Alô! Sim... sou eu. Como é? Tem certeza...Está bem, estamos indo. André!
  Preocupado, ele saiu do banheiro e foi até a cozinha. Seu pai estava pegando as chaves do carro, agitadíssimo e branco como se tivesse visto um fantasma.
  - O que foi, pai? O que aconteceu?
  - Vamos para o hospital agora porque seu tio Edgar acordou!

 [Sweet dreams are made of these
  Who am I to disagree?
  Travel the world and the seven seas
  Everybody's looking for something
  - Sweet Dreams (Are made of These), Marilyn Mason -]

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