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Tronick, o Barman



  Acho que foi uma boa ideia ter saído um pouco daquele apartamento para respirar um pouco de ar puro.
  Ar puro...
 Como se houvesse um canto dessa cidade com alguma atmosfera respirável. Me lembro muito bem da quantidade de remédios que andei comprando nos primeiros meses por aqui. No começo achei até que fosse morrer, mas eu pensei a mesma coisa durante a minha primeira ressaca e aqui estamos nós! Enquanto dirijo sem pressa pela cidade, observo as janelas acesas desses prédios, imaginando o que cada pessoa estaria fazendo a essa hora da madrugada. As janelas onde a intensidade da luz variava, presumi que estivessem assistindo TV ou talvez tenham dormido no sofá com ela ligada. Acontece o mesmo comigo, quase todas as noites! Nas luzes constantes, mas fracas, eu tenho o palpite de que seja alguém lendo, estudando ou trabalhando em algum projeto, um livro talvez...
  Eu acabei de ligar o rádio do carro e só tem um programa onde o locutor fala de uma maneira tão monótona, que eu tenho a impressão de que vou pegar no sono e bater o carro em algum poste.
  Ah! Finalmente uma música!
  Não é a primeira vez que eu escuto essa, mas eu nunca sei o nome do cantor e, quando ela acaba, nunca dá pra prestar atenção quando ele diz de quem é e o nome da música. É uma música calma, mas um tanto melancólica.
  É uma daquelas madrugadas frias, em que dar uma volta faz bem e distrai uma mente inquieta.
  Ultimamente, eu não tenho dormido bem!
  Eu estava me encarando no espelho um pouco antes de sair e reparei como emagreci nas últimas semanas e estou mais pálido do que antes. Sinceramente, desde que cheguei nessa cidade, não me lembro muito bem de ter visto o sol. Meus olhos continuam os mesmos, mas ao olhar para o meu reflexo, eu custo um pouco para acreditar que aquele ali sou eu...
  Um bar aberto. Não é novidade por aqui, um bar aberto a essa hora e a vantagem é que sempre tem vaga para estacionar. Acredito que nunca estive nessas bandas antes, pois não me lembro dessa rua, não me lembro daqueles prédios pichados e não me lembro desse bar.
  "Tronick's", é o que diz o letreiro luminoso na fachada e o lugar, visto de fora, lembra algo como um moderno saloom. Ninguém aqui fora; vou entrar.
  Antes de desligar o rádio do carro ainda consigo ouvir o locutor anunciar a última música da noite - "Dancing in the moonlight" - a versão da Smashing Pumpkins. Essa eu conhecia do último reveillon...
  Desliguei o rádio e entrei no bar.
  Além do rapaz de dreads, com ares de skatista, anotando alguma coisa no balcão, pude perceber umas poucas pessoas ali. Uma mulher de cabelos curtos conversando com um homem bem vestido em uma mesa lá num canto imerso na penumbra - ele tinha uma bengala esquisita e ela, algo estranho no olhar. Sentado, só, em uma poltrona marrom, havia um homem distraído, olhando mensagens em seu celular.
  - Boa noite! - foi a saudação amistosa do rapaz de dreads, quando eu me aproximei do balcão para pedir alguma coisa para beber.
  - Estão fechando? - perguntei, apreensivo.
  - De jeito nenhum! Pode pedir. - disse ele, empurrando um cardápio para mim. Eu precisava beber alguma coisa, quem sabe alguma coisa com vodca ou alguma coisa com rum.
  No fim das contas eu pedi um mojito, que ele mesmo preparou com uma notável agilidade. Então, enquanto fazia suas anotações em um caderno, ele me perguntou a razão de não estar dormindo muito bem ultimamente, o que qualquer um poderia notar apenas olhando minha cara de zumbi.
  - Acho que ainda não me acostumei com a cidade. - respondi. - Tenho mais uma semana antes de começar no meu novo emprego. Deve ser só ansiedade.
  - Você faz o que nesse emprego?
  - Contador. - O mojito estava realmente muito bom.
  Com a minha resposta, ele até levantou os olhos, arqueando as sobrancelhas.
  - Nossa! Que empolgan... - ele interrompeu o que ia dizer, enquanto olhava por cima do meu ombro, para algo atrás de mim. Foi muito rápido e não tenho tanta certeza se eu realmente posso acreditar no que os meus olhos viam.
  Quase ao mesmo tempo em que ele levantou sua mão esquerda, uma garrafa de Jack Daniel's saiu da prateleira atrás dele e, assim que ele fechou os dedos em volta do gargalo, o líquido no interior da garrafa sumiu e ele arremessou-a em minha direção.
  Como eu disse, foi tudo muito rápido que eu não tive tempo de reagir. Então a garrafa passou roçando minha orelha e espatifou em alguma coisa atrás de mim.
  - Paolo! Michaella! - disse, irritado, ao casal na mesa do canto. - Acho melhor vocês levarem o Sr. Siatinne embora, antes que eu o faça engolir um coquetel Molotov!
  No chão, com a testa sangrando, já sendo amparado pelo casal da outra mesa, o rapaz que estava distraído com o celular olhava para o barman com um ódio controlado.
  - Isso não vai ficar assim, Tronick! - sibilou ele.
  - Claro que não! Vai ficar quente, se você não se comportar aqui. Vai pra casa, Lucien!
  Enquanto o casal acompanhava o rapaz, o barman observava-os saindo porta afora, sério. Então ele pega dois copos com gelo e pega uma garrafa vazia de whiskey, fazendo o líquido surgir do nada, enchendo os copos - um para ele e outro para mim.
  Então ele ergueu o copo dele e, antes de tomar o primeiro gole, olhou na direção da porta e depois, novamente, para mim:
  - Odeio aquele vampiro!

Essa é a primeira parte de uma série de contos. Para ler a segunda parte, clique aqui.

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