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Flores Coloridas

  Confesso que eu sentia falta da minha cidade. Depois de tantos anos, imaginando que muita coisa teria mudado, eu chego à conclusão que, exceto pelas pessoas, a cidade continua a mesma. Eu estou aqui por causa do casamento da minha irmã mais nova. Ao menos, por um bom motivo. A última vez que estive aqui foi em um funeral...
  Estive bem ocupado nos últimos anos e um momento como esse nem me preocupava. Ainda agora nem me preocupa!
  Durante a cerimônia, eu consegui ver e reconhecer alguns parentes, uns velhos amigos e gente que, da mesma forma que eu, veio para presenciar a ocasião.
  Procurei ficar perto dos noivos na maior parte do tempo para não perder nenhuma palavra, pois lá do fundo eu não estava ouvindo nada. Por um momento, minha irmã olhou na minha direção e pareceu que ela entendeu a felicidade crescente em mim porque ela sorriu e um flash disparou atrás de mim.
  Era meu irmão tirando foto. Havia uma garotinha ao lado dele, com um lindo vestidinho branco, que olhou curiosa pra mim por alguns segundos. Nossa! Minha sobrinha já estava andando. Só então eu me dei conta de como o tempo passou.
  A impressão que dava era que algumas pessoas não me davam a mínima atenção.
  Passavam por mim, pensando na vida e me ignoravam quando eu falava alguma coisa.
  Eu até que achava a situação engraçada! Já havia acontecido antes. Outras apenas acenavam de longe para mim, mas ninguém tinha vindo conversar comigo.
  Eu entendo... hoje era o dia da minha irmã, um dia especial para ela. Ela era a estrela da noite. Mas eu ouvia uns poucos sussurrando meu nome, inclusive minha mãe, enquanto conversava com uma prima nossa. Eu já estava acostumado com isso. Antes eu me importava, mas agora eu vejo que citam meu nome por costume, em ocasiões como essa. Na festa, eu passeava em meio à parentela, sem ser notado, fui em direção aos noivos recém-casados e tirei umas duas fotos com a família inteira, sorrindo timidamente. Estava quase na hora de ir embora e minha carona chegaria logo.
  Olhei em volta, reconheci alguns amigos que estavam lá e eu nem tinha visto, uma garota por quem já fui apaixonado – e que agora estava casada – também com uma filhinha, já bem grandinha. Sei lá! Não me sentia bem vestido para ocasião, ou quem sabe era só a forma como passavam por mim, mas eu estava muito feliz.
  Fui para fora e fiquei olhando as estrelas. Uma vez ouvi meu irmão dizer que tinha o costume de andar olhando para o céu estrelado e até o vi algumas vezes do lado de fora de casa assim, com o olhar perdido, como se procurasse alguma coisa, sem saber exatamente o quê. Eu sentia muita falta daqui. Falta deles!
  Alguns parentes, tios e primos, passaram por mim me dando boa noite e eu fiquei olhando-os, enquanto passavam pelo portão.
  Minha carona chegaria logo...
  - Tio, você estão tão bonito! – era minha sobrinha, atrás de mim. Ela tinha algumas flores, provavelmente furtadas da decoração.
  - Muito obrigado! – respondi. – E você está muito linda também. Eu adorei o seu vestido!
  Ela me estendeu as flores, com um sorriso largo e um brilho nos olhos. Com o mesmo olhar do meu irmão. Eu estava agachado com as mãos nos joelhos, olhando aquele arranjo improvisado.
  - O que é isso? – perguntei, apontando para o pequeno ramalhete.
  - Essas flores coloridas são para você!
  Havia ternura em seu gesto, oferecendo as flores para mim.
  Uma motocicleta estaciona e buzina duas vezes.
  Minha carona!
  Peguei as flores e passei pelo portão olhando-a sozinha no jardim, meu irmão se aproximando dela:
  - Pérola, o que você está fazendo aqui?
  Ela apontou na direção do portão e disse:
  - Vim trazer flores para o tio! Ele estava tão lindo, pai...
  Meu irmão olhou na minha direção, se aproximou do portão. Abriu e olhou para os dois lados da rua escura. Ele não me viu. Não podia me ver...
  Sentei na garupa, fiz sinal para o meu amigo partir, apertei as flores contra o peito, me segurei e olhei para trás a tempo de ver meu irmão entrar.

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