Essa é a segunda parte de uma série de contos. Para ler a primeira parte, clique aqui.
Meio-dia! Eu já me acostumei a acordar meio-dia.
A primeira coisa que eu fiz foi olhar o relógio, já que eu tinha dormido com a cabeça sobre o braço esquerdo, então nem precisei me mexer muito.
"Onde estou?", pensei.
Demorou um pouco até eu perceber que aquele cubículo mal-iluminado e bagunçado era o meu apartamento. Com ele, eu ainda não me acostumei...
Fiquei deitado mais um pouco, tentando colocar a cabeça para funcionar, pois eu não estava conseguindo me lembrar exatamente como eu cheguei até aqui.
Carteira, chaves e celular estavam no lugar de sempre, sobre o criado-mudo, mas eu tinha a vaga impressão de que tinha deixado alguma coisa naquele bar...
"Isso!", então as lembranças começaram a voltar.
O bar. Não sei se consigo chegar lá outra vez. Não lembro direito o caminho até lá.
Mas foi, realmente, uma das experiências mais insólitas que tive. A garrafa de whiskey, o barman e o vampiro que quase me atacou. Não fosse pelo Tronick, talvez eu não estaria contando isso.
Ele me explicou depois que, quase todas as noites eles aparecem por lá. Nem sempre juntos e que o Lucien Siatinne - o vampiro que tentou me atacar - é o que sempre procura encrenca. O barman já havia o advertido mil vezes e que, uma hora dessas, ele daria uma lição nele. Paolo e Michaella, segundo ele, são mais comportados e nunca deram trabalho. Pelo que ele me disse, tem mais deles por aqui, mas que dificilmente eu verei um. Exceto lá no bar! É como se o lugar só atraísse tipos estranhos.
Quando ele disse isso, eu perguntei se eu me encaixava nessa definição e ele respondeu que sim porque acreditava que eu buscava alguma coisa, algo que me inquietava e o fato de eu ter entrado ali era um sinal. Não foi por acaso que eu "tropecei" naquele bar, em plena madrugada. Pela hora, os poucos funcionários que ele tinha já haviam ido embora, até porque muitos deles moravam longe dali.
Bebemos mais whiskey, enquanto conversávamos e enquanto ele me contava sobre a noite em que o primeiro vampiro apareceu ali.
- Ele não pediu nada para beber, nada para comer... - disse ele. - Depois que o último funcionário foi embora, ele se levantou daquela mesa ali no fundo e veio até o balcão. Olhou para mim, como se estivesse desconfiado e eu esperei ele pedir alguma coisa, mas ele só me perguntou se ele poderia conversar um pouco comigo e eu disse que iria fechar o bar em uma hora, entretanto não haveria problema algum. - Ele bebeu o whiskey que restava em seu copo e, olhando para mim, com uma expressão de perplexidade. - Ele me contou quase sua vida inteira e ficamos conversando até quase o sol nascer! E ele voltou na noite seguinte...e na outra, na outra...semanas inteiras! Então ele sumiu. Nunca mais voltou e eu soube depois que ele foi caçado.
- Caçado?
- Sim, deram fim à existência dele e eu acredito que ele está melhor assim. - respondeu o barman, servindo nossas últimas doses de bebida. - Pelas coisas que ele me falou, ele sabia que estavam à procura dele, então já estava conformado e aceitaria com um certo alívio quando chegasse sua hora.
O barman parecia estar vendo suas lembranças passando como um filme, nos cubos de gelo dentro de seu copo, pois ele contava isso olhando, absorto, para sua bebida. Eu, então, resolvi tirá-lo do transe:
- Você acha que ele estava arrependido de alguma coisa?
- Não! - respondeu ele, tomando um gole breve. - Ele estava de saco cheio mesmo! Imagine só: depois de tanto tempo, em busca de algum sentido para sua vida, sempre com desejos insaciáveis, com um mundo cada vez mais efêmero em volta e o mundo moderno devorando e acabando com tudo aquilo que ele viu nascer e crescer...viver para sempre pode não ser uma boa ideia!
Na verdade, eu não sabia o que era "efêmero", mas acho que eu consegui acompanhar o raciocínio dele, embora ele tenha achado que não. Ele me disse que, para meu alívio, os vampiros ainda eram minoria em sua clientela e, quem sabe um dia, eu não encontrasse um tipo estranho por aí.
- Mas como você fez aquilo com a garrafa? - Aquilo havia sido estranho, então eu aproveite para perguntar.
- O que eu fiz com a garrafa?
- Ela saiu dali e foi parar na sua mão, depois ficou vazia, então você jogou...
Ele bebeu o restinho da sua bebida e olhou para mim fazendo careta:
- Quê?! Eu acho que você já bebeu demais!
Assim, ele me colocou para fora do bar, dizendo que ia fechar porque precisava ir embora também e que eu já estava falando besteira.
- Mas eu vi! - protestei.
- Viu? - Nunca vi um cara tão cínico. - Guarde sua visão aguçada para encontrar o caminho de casa. Se cuida, rapaz!
E trancou o cadeado da porta da frente do bar e se foi.
Só não lembro como voltei pra cá...
Vampiros! ;)
ResponderExcluirI love it.